sexta-feira, 6 de outubro de 2023

 

O passado assombra-me. Não são só fotografias, daquelas de revelar ou das digitais, que me lançam para o lado negro de um feitio que até nem é péssimo, normalmente, mas é o aperceber-me que tenho passado, que não só não é pouco vivido, como é já algo extenso. Muitas palavras para dizer que me sinto velho, não que o seja, ou que o venha a ser, porque acredito que a velhice é uma coisa, ter idade é outra, mas a verdade é que me sinto acabado nesta forma atual de ser. É possível que este modelo de personalidade já esteja vetusto, ultrapassado, e que esteja a precisar de uma atualização para breve, seja ela qual for. E nem falo da possível paternidade, nem de uma mudança radical de existência, tipo namasté, búzios, cristais, yoga, etc etc, falo apenas de uma evolução gradual e natural a que todo o ser vivo bem-adaptado precisa de estar sujeito de vez em quando. Se calhar burro velho não aprende línguas novas porque tem medo de perder as antigas, de perder o norte, mesmo quando esse norte já não lhe serve de guia, nem de coisa a evitar, quando já não serve para nada, que é como eu me sinto, como um pedaço de tecnologia, outrora novo, fresco, fraturante, como hoje em dia se diz, mas atualmente serve apenas como jazigo de chips, placas e restos enferrujados de metal, com manchas de verde, ora de plástico, ora de cobre enferrujado. Não que me queira voltar a sentir útil, como penso já ter sido, até porque acho isso de uma arrogância desmedida, quem sou eu para decidir o que os outros precisam, quando nem eu próprio sei o que quero, mas apontava para a ausência deste sentimento de culpa de existir sem forma ou função. Não seria pedir muito, uma existência plana, simples, sem passado ou futuro, simplesmente existente. É possível que seja esta a “Utopia Moderna”, o estar no agora, sem ou registos de tempo para a frente ou para trás. Qualquer dia escrevo sobre isto: um tempo sem tempo, um homem, um conjunto de gentes, uma sociedade sem registo de tempo, sem a noção dele. Como se o fenómeno causa-efeito fosse apenas um mecanismo da natureza e não da psique. Vou tentar dar-lhe um título digno, nada de duplo significados, ou jogos de palavras, não, vou fazer o meus possíveis para que não nos remeta, a mim e ao consumidor final, para um espaço de espectativa desnecessário. Como o título de um doutoramento, sem medos, espinhas, ou fintas à Futre, algo do género “Sócio, esta história é acerca dos sem tempo, que é gentes que náo sabe de onde vem, e está tudo bem, são felizes na sua ignorância”. Agora que passei isto para letras, percebo que está aqui uma sinopse, algo rude, mas uma sinopse.