O passado
assombra-me. Não são só fotografias, daquelas de revelar ou das digitais, que
me lançam para o lado negro de um feitio que até nem é péssimo, normalmente,
mas é o aperceber-me que tenho passado, que não só não é pouco vivido, como é
já algo extenso. Muitas palavras para dizer que me sinto velho, não que o seja,
ou que o venha a ser, porque acredito que a velhice é uma coisa, ter idade é
outra, mas a verdade é que me sinto acabado nesta forma atual de ser. É possível
que este modelo de personalidade já esteja vetusto, ultrapassado, e que esteja
a precisar de uma atualização para breve, seja ela qual for. E nem falo da possível
paternidade, nem de uma mudança radical de existência, tipo namasté, búzios,
cristais, yoga, etc etc, falo apenas de uma evolução gradual e natural a que
todo o ser vivo bem-adaptado precisa de estar sujeito de vez em quando. Se calhar
burro velho não aprende línguas novas porque tem medo de perder as antigas, de
perder o norte, mesmo quando esse norte já não lhe serve de guia, nem de coisa
a evitar, quando já não serve para nada, que é como eu me sinto, como um pedaço
de tecnologia, outrora novo, fresco, fraturante, como hoje em dia se diz, mas
atualmente serve apenas como jazigo de chips, placas e restos enferrujados de
metal, com manchas de verde, ora de plástico, ora de cobre enferrujado. Não que
me queira voltar a sentir útil, como penso já ter sido, até porque acho isso de
uma arrogância desmedida, quem sou eu para decidir o que os outros precisam,
quando nem eu próprio sei o que quero, mas apontava para a ausência deste sentimento
de culpa de existir sem forma ou função. Não seria pedir muito, uma existência plana,
simples, sem passado ou futuro, simplesmente existente. É possível que seja
esta a “Utopia Moderna”, o estar no agora, sem ou registos de tempo para a frente
ou para trás. Qualquer dia escrevo sobre isto: um tempo sem tempo, um homem, um
conjunto de gentes, uma sociedade sem registo de tempo, sem a noção dele. Como se
o fenómeno causa-efeito fosse apenas um mecanismo da natureza e não da psique. Vou
tentar dar-lhe um título digno, nada de duplo significados, ou jogos de
palavras, não, vou fazer o meus possíveis para que não nos remeta, a mim e ao
consumidor final, para um espaço de espectativa desnecessário. Como o título de
um doutoramento, sem medos, espinhas, ou fintas à Futre, algo do género “Sócio,
esta história é acerca dos sem tempo, que é gentes que náo sabe de onde vem, e
está tudo bem, são felizes na sua ignorância”. Agora que passei isto para
letras, percebo que está aqui uma sinopse, algo rude, mas uma sinopse.